8.11.04

pára. pára tudo. não quero fazer nada. quero só ficar aqui deitada. e quando a coragem chegar, se é que ela vai chegar, vou mandar publicar um edital. mas só num primeiro instante, pra incluir no último edital do mundo que daí por diante não existiria mais edital algum.

um, dois, três, quatro, segundo, minuto, hora, dia, mês, ano. faria questão de embebedar tudo que conte, para que em suas trajetórias haja engano, para que ontem já não saiba mais se passou, ou que se esqueça de morrer e prolongue-se. talvez os editais trouxessem algo a respeito do que poderia se prolongar ou não. dores de barriga terminariam rapidamente e beijos de língua no escuro durariam séculos ou até uma cãibra incoveniente aparecer. mas a cãibra logo acabaria, porque o tempo da cãibra é curto, e de morte súbita, assoprando alívio, ela pediria férias: "já trabalho tão pouco, por que não me aposentar?" mas sobre os editais, nada mais sei dizer. nada mais sei dizer agora. agora não é hora. eu só quero não fazer nada.

e fazer nada por tempo indeterminado. ficarei parada, na cama, você já sabe. e quanto tiver vontade, vou à praia. e todos não farão nada, nunca. e mesmo que façam algo, será como se fosse não fazer nada. quando você gosta muito de cozinhar e alguém lhe pede que faça uma sobremesa, e lhe diz que a mousse que você preparou está uma delícia, você responde: "ora, ora, não foi nada". e não foi nada porque não foi nada mesmo. porque viver seria só prazer.

por isso parem todos, parem de contar. confundam os números, chamem tudo que for hierarquia pra sambar. vão pra casa e deitem-se em suas camas, ou corram para o parquinho mais próximo de casa só pra lembrar que algum dia já houve divisão no tempo. e você, menino que eu amo, pára também. pára para lembrar que agora, você pode ser sempre menino. pausa eterna que vira parada inconstante, só pra lembrar que um tempo atrás, quando o céu estava claro assim, você sabia que devia ser um pouco mais de meio-dia, e que, provavelmente, você estaria enfadado e pedindo pra sumir. rezando pra ser uma girafa esquecida no meio da áfrica, ou uma marmota esquista. mas agora não. você está no parquinho, o céu está azul, é tanto vento em sua cara, e você se encontra tão feliz, que até deu vontade de trabalhar. mas agora não, não e não. talvez amanhã. hoje, você também não quer fazer nada, assim como eu. como todos.

e aí, se eu for ao parque e lhe encontrar, vou lhe dizer coisas fantásticas. foi um sonho maravilhoso, vermelho e azul, que tive esta tarde. esquecíamos tanto do tempo, que nosso filhos não sabiam mais o que era relógio, calendários ou cronômetros sequer. não tinham noção das unidades, que já nasciam carimbadas e batizadas de tempo. tudo que era contagem virou areia, virou alga marinha, virou bicho que estava em extinção, e de tanto bicho que virou, deixou de extinção estar! alguns viraram comida, pra tudo que é gente que tinha fome; outros viraram homens, apenas pra amar. e até os que já foram tempo esqueceram da contagem.

mas eu não vou ao parque. não agora. e isso você já sabe. agora a gente não faz nada. apenas deita e sonha. quando eu acordar, quem sabe... e como não há mais nada que marque o momento em que eu irei lhe procurar, prometo que na primeira noite de lua minguante que houver estarei na sua casa - se ela se lembrar de minguar. se lá em cima no cinema de tudo que é corpo de luz e eternidade as coisas também não pararem.

e poderemos não fazer nada juntos. perigosamente não fazer nada. repetir até a exaustão. até o fazer nada se cansar disso. e acordaríamos juntos, sem pressa de ir à rua. queremos ver o mundo nas praças. é só cantoria. até os sapos coaxam mais. o mundo todo lembra que é mundo, e pára pra ver o que é outro. todo mundo é cabelo nessa trança de cor: é a barba de deus depois que ele aderiu à moda rasta.

sem tempo,
sem tempo.

sem tempo, meu amor,
viver seria só prazer.