8.9.21

uma parte de mim, que não sei qual tamanho - 
apesar de nunca ter sido boa em medidas - 
parece dormir ou estar morta
por um tanto de tempo que também não sei contar

não sei quando foi que fechou os olhos, ou petrificou-se, 
e, assim, em algum momento, 
parou de pulsar. 

se nasceu morta, é outra coisa que não sei, 
pois tenho vaga lembrança, de que em algum momento na infância
tive isso que nunca nomeei. 

(talvez porque ali, pequena, dentro de mim, eu fosse livre, 
com muitos poucos nãos e muitos infinitos sins, 
e às vezes eu acho que o bicho ausente
é ali meio que da família das correntes, dos relógios, bate pontos e afins)
 
o que percebo é que sua ausência, sono, ou dormência, 
faz queimar um pouco de tudo em mim: 
meu corpo, papéis, consciência, 
a agenda vazia, o torvelinho entre a barriga e o peito, 
as plantas esquecidas sem jeito e sem água no jardim. 

o descompromisso com os detalhes, 
os talheres pegos sem destreza, a postura que a cada instante se desfaz, 
a trava na boca e nas presas 

o lembrar de olhar nos olhos - 
e ali na beleza e imensidão do outro, eu sempre me perco um pouco - 
o lembrar de quando rir e não rir 

o pé que pisa tronxo, 
e aquela alegria besta por sempre topar, desequilibrar, 
mas quase nunca cair. 

sei que é uma ausência importante
de algo que também não sei o nome, 
tampouco sua forma, sua cor 

então cresci achando que eu era apenas irresponsável, 
e demorei pra entender o quão era amável, 
e que não se deixa de responder pra vida
quando se tem tanto amor. 
 
uma parte de mim que não sei qual tamanho, 
que parece dormir ou estar morta, 
me fez mausoléu e também porta
pra ser o embrião de potestade que eu posso ser e sou.