6.12.07

reconheço meu defeito: no fundo, poucas coisas me assustam. no fundo, no fundo, o que me assusta é o que não me assusta.

não que eu seja alheia à dor. mas em mim se precisa de muito para que eu saia do lugar. se precisa de muito para merecer meu descompasso. merecer meu desalento. porque meu desalento vem de dentro, como lava que corre embaixo do chão. então queima e leva tudo e petrifica o caminho e seca o ar. e é de mim que escorre quente e esvai.

o que me assusta é constatar que, na verdade, nada é perigoso. nada amedronta. que tudo o que há no mundo é cru e possível. e que a vida é feia mesmo, às vezes.

é quando meu desalento vira paz. e aceito a dor do mundo. e amo infinitamente tudo à minha volta. porque sou feita de amor apesar do peso das pedras. das rochas vulcânicas e da fumaça de cinzas que sufoca. porque amar é tudo o que resta. é o que faz a vida bonita mesmo, às vezes.

reconheço meu defeito: amar é tudo o que faço contra a evidência do inevitável e trágico, ou do evitável e cretino, ou do inesperado devastador. e estou em paz comigo por saber que a vida não perdoa. nunca.

14.11.07

rascunho #1

laço de pequim
porque não conheço pequim,
nem estive por lá.

pequim é coisa que desconheço e não sei,
assim como a cidade que moro e dela só sei o nome.

o que sei é apontá-la no mapa -
com o dedo acordado dizendo: "aqui fica são paulo" -
porque são paulo é a cidade qualquer que dorme num mapa -
e a cidade que dorme no mapa não é a mesma que ferve em mim.

não é são paulo,
não é pequim.

laço de pequim
porque apenas conheço pela certeza e geografia.
a matemática dos lugares
ou laço de sangue e açúcar,
tal como o laço de minha cidade
que corre livre num rio sujo.

o outro laço,
o de pequim,
é o que jogo de cima da ponte,
afrouxando o nó de minha aorta seca
que depois respira serena, elástica, viscosa.

16.5.07

"eita, mundo velho sem porteira"
é a frase que trago comigo,
como um molho de chaves velho
costurado ao meu umbigo.

então abro a porta surda,
pontilhada por meus dedos no ar,
revejo meu pai sereno -
como poucas vezes -
a resmungar:

"eita, mundo velho sem porteira!",
e tudo parece fazer sentido:
não há porta, não há janela,
nem tecido de mundo poído.

5.2.07

está morto, joaquim. nada vivo na carcaça de meu coração. não sobrou nada. tudo foi devastado pelo tempo que foi perdido. o tempo comido nos dias surdos e preguiçosos. eu quis dançar e não soube como. e na carta você me falava da dança possível. mas minha dança possível é de restos e vermes, marcha fúnebre e choro, joaquim. eu sei que aqui dentro há amor, há coisas que o
espelho não me mostra porque me vejo pequena e o reflexo é malicioso e malvado. ele ri das curvas não completas, do olho triste e do corpo desengonçado. e ele ainda pode ver meu coração através da luz que entra na janela, e atravessa correndo minha blusa lilás, tocando meu seio sorridente que esconde, inocentemente, o peito que não acorda pra não ter que viver.

e, sim, esse é um atestado de incapacidade. porque eu aprendi, joaquim, que quem não se enxerga, não dança.