18.11.22

sentada numa cadeira sozinha

no quarto

encarou a jornada que suas tristes e imprecisas mãos necessitavam empreender para salvar sua alma.


foi necessário incisar o esterno

para depois cavar o peito,

como uma terra natenta de promessas,

em busca das virtudes que julgava presas -


como que por descuido,

como que por um defeito,

quem sabe na formação de seu corpo

quando ainda era apenas sopro;

como que por medo,

por falta de jeito,

como que por infelicidade.


acreditava que nos peitos moravam as virtudes,

e que as virtudes, em todos, absolutamente todos,

moravam.


acreditava que, sim, podiam ser mortas,

a adentrar-se pelos caminhos de dor

que, como ondas de calor,

os peitos a queimar atravessavam;

então incendiavam sem prato e sem horror

a canastra de angelim onde as irmãs virtudes e os jasmins

dividiam a cama de madeira e repousavam.


tinha, porém, esperança,

alguma confiança, 

de que algo em si restara.


resignada e com a mão direita 

por dentro da caixa dos peitos engrazada,

sentiu o farfalhar dourado,

e com os dedos em pinça agoniados,

finalmente, capturou o vagalume da virtude represada. 


o peito ainda aberto não era importante,

mas, sim, olhar para o pequeno inseto,

e imperava perguntá-lo sobre o vazio que ele ocupava. 


e a ela lhe respondeu:

plantar o que ali nunca cresceu,

para que lá, novamente, pudesse soltá-lo.


contou que ele só alumbrava quando por dentro,

porque quando pego e exposto

é como vagalume morto

e assim não ilumina mais direito.


mas quando cá, no interior, guardado,

perto da cava ou da aorta,

só brilha em mata verde

crescida no matar da própria sede

de ser feliz e fazer feliz apesar de tudo,

de se ser por inteiro e deixar-se ser por inteiro

no meio da vastidão desse mundo.


e foi assim que ela salvou sua alma,

sabendo apenas onde procurar,

plantando capim de cheiro onde antes julgava

precisar apenas de calma.


não pode plantar o que faltou,

mas o tempo ajudaria

e assim plantaria tudo mais que lhe faltava.


pinçando novamente o pequeno inseto,

o libertou na mata por vir,

fechando o peito a levemente sorrir,

costurando com os dedos e barbante

a nova e grande lanterna do tórax.