29.11.05

ii

era preciso chegar nas escadas sem demonstrar o transtorno. se alguém passasse por ela, teria que cumprimentar e sorrir como sempre fez. detestava a idéia de que a vizinhança soubesse seu estado de espírito só de olhar para sua boca murcha e seus
olhos sem direção. adelina foi subindo as escadas devagar, ainda que nos primeiros degraus tudo que quisesse era correr e cair na cama para chorar. nem tinha chegado ao segundo andar e pisou no degrau a falar baixinho: "é-pi", e depois pisou o outro: "tá!", a bater firmemente o pé. por alguns segundos achou que nunca mais conseguiria tirar o pé dali. "tá": bateu novamente. assim parecia ser possível dar o próximo passo.

a cada degrau, o quinto andar parecia mais longe. pronunciar o "cio" só na cama a chorar, porque completar a palavra era 'dizer o indizível', o nome que morava depois dos seus dentes e revestia sua garganta. "ele já se foi, ele já se foi". o último "foi" foi quando realmente correu a chegar na porta de casa, sem fôlego, a desejar um cigarro.

deitou de bruços no chão e nele mesmo fixou os olhos. olhar pro apartamento agora era morrer um pouco. ainda tinha porta-retratos. ainda tinha as roupas dele no guarda-roupas adornado com figurinhas da copa passada que o infeliz fez questão
de colar. uma pataca de pasta de dentes grudada na pia. uns pelos curtos, da barba feita ontem durante o banho, esquecidas no azulejo. um bilhete na geladeira com a lista de compras da semana passada. no fim do bilhete ele pedia: "bubi,
não esquece de trazer alface, eu sei que tu não gosta e não faz a menor questão, mas tu sabe que eu só gosto do meus sanduíches com muito alface". bubi. ela se chamava assim só pra ele. ele a tinha batizado nas águas longas dos olhos atentos que chamavam e pediam bubi e mergulhavam bubi quando as pálpebras se fechavam e diziam bubi, bubi, sua boba. e se nunca lembrava do alface quando ia ao supermercado, agora nunca mais havia de esquecer.

chorava. chorava. pensava: sua mulherzinha idiota e dramática, detalhando os detalhes! faça alguma coisa, vá! faça. estava em pé. havia levantado de supetão. sabia que se pensasse, não se levantaria nunca. assim, apenas levantou. pegou uma cerveja, meteu um cigarro entre os dedos e ligou para o melhor amigo: tonho, me tira daqui de casa, me leva pra qualquer lugar. me tira.

antônio voaria até lá e a colocaria dentro do carro em meio a abraços e goles de cachaça. terminaria a noite bêbada, dormindo com a cabeça na coxa de antônio, acordando com o sol quente a comer a pele branca no cais do porto.

8.11.05

i

ele continuou mudo. tinha ouvido tudo que ela tinha a dizer completamente calado. sem vontade sequer de mexer a boca. nenhuma palavra nervosa passou-lhe pelos lábios. nenhuma grande verdade quis contar à mulher. deixou que ela decretasse o fim de tudo e enumerasse o que via de caótico na relação deles. a única coisa que conseguiu pensar foi: "você complica demais essa vida, adelina".

e adelina estava furiosa. nenhuma reação, nenhum pedido de desculpas da parte dele. nenhum não é bem assim ou vá à merda. nada, nada. tudo que ele fez foi se levantar e ir em direção ao quarto. acender a luz, abrir o armário e pegar umas cinco camisas, enfiar dentro de uma sacola de plástico de supermercado e conferir perto do abajur o que havia na carteira. em seguida, só uma ida rápida ao banheiro pra pegar a escova de dentes e uma loção pós-barba que costumava chamar de acqua velva, mas que não era. isso, inclusive, era uma das coisas que irritava adelina profundamente.

ainda mudo, calçou um par de tênis velhos e se despediu dela com um aceno. bateu a porta e o silêncio foi tanto dentro da casa, durante os dois primeiros minutos, que adelina correu atrás dele. descendo as escadas correndo, do quinto andar ao térreo ia gritando: "epitácio! epitácio!". só conseguiu alcançá-lo mesmo já na calçada, quando ia em direção à ponte.

- epitácio!
- oi.
- você só vai levar isso mesmo de roupa?
- vou, adelina.
- ...
- algo mais?
- não.
- tchau então, certo?

tentou dar um beijo na testa suada da mulher, que recusou o carinho e saiu correndo de volta ao prédio, pensando: "sua besta".

20.10.05

...escrever baixinho, sem ser notada, sem doer no ouvido dos olhos. uns passos de almofada num chão de cetim.

1.9.05


[já que o fotolog tá frescando, vai por aqui mesmo. até logo e se cuidem.]

como um dia numa festa
realçavas a manhã
luz de sol, janela aberta
festa e verde o teu olhar

pé de avenca na janela
brisa verde, verdejar
vê se alegra tudo agora
vê se pára de chorar

abre os olhos, mostra o riso
quero, careço, preciso
de ver você se alegrar

eu não estou indo-me embora
tô só preparando a hora
de voltar

no rastro do meu caminho
no brilho longo dos trilhos
na correnteza do rio
vou voltando pra você

na resistência do tempo
no tempo que vou e espero
no braço, no pensamento
vou voltando pra você

no raso da catarina
nas águas de amaralina
na calma da calmaria
longe do mar da bahia,
limite da minha vida,
vou voltando pra você

vou voltando como um dia
realçavas a manhã
entre avencas verde-brisa
tu de novo sorrirás

e eu te direi que um dia
as estrelas voltarão
voltarão trazendo todos
para a festa do lugar

abre os olhos, mostra o riso
quero, careço, preciso
de ver você se alegrar

eu não estou indo embora
tô só preparando a hora
de voltar

de voltar.

2.6.05

tenho poucas certezas. e nunca fiz questão de tê-las. sei e reconheço, tenebrosamente, dentro desse baú velho que é minha memória, de que algumas a mais me seriam de grande utilidade. poupariam dores desnecessárias. me contemplariam com noites mais longas e de sono de perdição. não as noites às quais estou acostumada. dormindo e acordando a cada egoísta fatia de bolo de relógio. o sono profundo de quem tem uma vida além vigília e consciência, de quem não tem porque jogar a âncora ao pé da cama antes de afundar o corpo no colchão penitente.

sei das certezas que tenho, das espécimes raras que descobri, que o maior pássaro de todas elas atende pela oração: "a vida comeu minha pressa". certeza de farta plumagem e penas longas em escala de cinza. canto firme, começando por um assovio curto seguido por uma doce pausa que despe-se em outro assovio, porém quase inaudível, lento, longo. lento, longo, longo.

e os poros dos dias dilatam em sede, bebendo devagar a música tranquila e sombria de minha certeza maior. a vida comeu minha pressa, sim, e em dentadas largas e sem anestesia. com os dentes decididos a mascar sem dó a cabeça de toda a ânsia, sem se desvencilhar de suas plumas e penas agoniadas e pedintes de tudo que há pra agora, pra ontem, pra hoje, pra já, para o momento em que nem sequer se era pressa. se era ânsia. se era querer.

e quando a pressa se foi eu não chorei. não me vesti de noite, nem decretei luto. não hasteei a bandeira a meio mastro, nem amarrei o laço de crepe negro na lança. ao contrário, houve um discreto porém sincero carnaval nas ruas abertas por caminhos de suor, as ruas derramadas na cidade do meu corpo cansado, escorrendo confetes nos estados de minhas costas até o extremo sul de meus pés. então um alívio frio beijou meu cansaço e avisou que ele poderia partir. foi e não me deixou bilhete. ainda bem. nessas horas, bem sei como as palavras podem confundir ou criar testamentos de dor.

então, depois de tudo: o tango com o assassino. vida que pede artigo definido e adjetivo masculino, só para poder me convidar para a dança, rimando seus detalhes, vestida em seu terno de destino. no seu terno de fato, de alvo linho. e olhando nos meus olhos, porque se assim não fosse, não seria vida, tenta não sorrir, a esconder a boca suja. ainda estão lá os fios das penas da pressa presos aos dentes, ainda vivos, arraigados à mucosa, lutando contra o céu da boca, serpenteando pelas gengivas, lutando firme e agoniando a língua. e no meio da dança, canta e um beijo pede. assim, ficamos, eu e ela, a girar no salão vermelho das coisas que desejo, iluminadas pelos lustres do cristal de ímpeto. os seus lábios molhados colados aos meus, entregando-me a saliva emplumada, e eu, na febre dos meus sins, a me deixar ser tomada, mais uma vez, invadida, cidade sitiada, pela pressa que mergulha num gole forçado a minha garganta que não grita e secretamente a anseia.

23.5.05

e interrompemos nossa programação normal para a exibição da série: alfarrábios. estaremos de volta dentro de instantes. desculpem-nos o transtorno, estamos trabalhando para melhor servi-los. deus é fiel. teu olho gordo pra mim é cego. quem revela a fonte é água mineral. jarbas, molina vem aí.
caiu.
e se você pudesse se abaixar e observar de perto
a gota no chão,
veria as ondas
que o vento, deslizando, moldava.

e talvez se levantasse
olhando as estrelas como se fosse a primeira vez,
por não esperar nada mais além de um céu negro.

a vontade de correr engoliria seus pés
até chegar à garganta um grito,
uma canção guardada.

talvez corresse para a praia,
talvez quisesse mergulhar os pés na água com sal,
talvez deitasse na areia.

e então olharia para as estrelas
e se sentiria como uma gota,
uma gota que ainda não caiu,
que o vento leva e tremula,
veloz,
correndo o mundo,
sem nunca evaporar.
sim, guardei tua lágrima aqui.
não queria abrir minha mão para te mostrar
porque ela ainda molha os vincos de minha palma.

respeite-lhe a alma,
deixe-a secar em paz,
no escuro que meus dedos,
unidos e dobrados,
oferecem.

e minha mão, em prece,
quer sonhar que é teus olhos,
imaginando-se fonte e morada
da lágrima que sonha
que ainda não foi chorada.
minhas fotos de infância confirmam:
cresci amando a água,
e ainda a amo;
mas meu amor pelo vento cresceu
e alcançou meus poemas
em bolhas de sabão.

é que meu corpo ansioso o sente
o tempo inteiro a beijar meus dias,
soprando a poeira de meus livros
e circulando como alma pelo meu quarto.

e meus pequenos olhos sempre sentem
que o vento alisa meus cílios,
e minha pele acorda num arrepio,
quase um bocejo de pele,
quando o vento me acaricia.

o vento é uma criança
que se abraça com as roupas de meu varal,
dançando horas seguidas
sob a sombra do meu jambeiro,
e depois mete-se a correr ligeiro,
arrastando as gotinhas de água
perdidas no chão de pedras de meu quintal.

então chega o entardecer,
quando as cores do mundo trabalham em confundir-se,
deslizando pela garganta do céu,
pintando estrelas no horizonte.

e é quando, secretamente, o vento me procura -
e quando fala traz o cheiro dos lírios
que dependuram-se a querer espiar
para dentro da janela de onde durmo! -
e conversa as conversas de vento,
as brisas que tão bem entendo,
e diz-me que à noite não tem descanso
porque vento não sabe o que é cansaço -
e confessa que inveja os humanos,
porque quando dormem
sonham que voam,
e diz-me triste, o coitado:
"moça, às vezes queria voar sem ter que estar acordado".
decalca meu corpo com o teu:
desenho de tanto amor.
tudo que dorme às vezes levanta sonâmbulo.
às vezes me fala, e tapo os ouvidos, e fecho as portas.

às vezes me segue, se planta e em mim se enrola,
invade minhas salas, se cola às minhas solas.

e me engole a pequenos goles, suga-me pelos meus pés,
ou é tudo que dorme que em mim sobe?

e se de ponta-cabeça, num segundo, vira meu mundo,
é por que tudo que dorme desperta ou sou eu que agora durmo?
molhei tudo no mar.
tristeza abraçada com fio de cabelo
morreu afogada
no sal,
na água.

e lágrima que queria cair,
achando que ia salgar meu dia,
caiu como um doce,
no sal
da água fria.

e se a vida achou,
que sacudindo minhas horas, meu prumo iria tirar,
que meu chão iria fugir,
que minha alegria iria podar,
e se achou que causaria em mim
alguma espécie de pânico
é porque perdeu o tamanho da onda
que de mim gostou,
e sua força me emprestou
no sal
da água
do atlântico.

17.5.05

é como entrar em uma casa escura, as portas todas trancadas. só o mofo fala. mas não dê ouvidos, não... só me escuta. eu dou as coordenadas. o grande segredo eu escrevo na palma de minha mão e, desajeitadamente - porque em mim não há outro jeito - eu te mostro para ler. então, quando a distonia chegar, tudo há de se apagar. letra há de ser borrão - como as lembranças que quero esquecer, mas continuam, resistindo à borracha de minha força. então presta atenção, não esquece nunca:

pra cada porta
um olho mágico.

e ainda não são tempos de se falar de chaves.

28.4.05

veja, isso é uma tentativa.

eu tento, pensando lento pra mastigar o doce que vem quando eu lembro.

então tento.

tento falar da forma mais tranquila. da forma mais quieta. de uma forma quase sem forma. porque é leve. porque se pensa que tudo poderia ser e não o é e não é ruim. não, não, senhor. não é ruim. e tudo poderia ter o peso e o movimento e o aval das leis físicas que regem os corpos, mas não tem. e entenda - e eu sei que tu entende - que não depende disso e que está em cada coisa que se faça. e não tem pés, braços, nem força da gravidade. é fantasma e flutuação. não que não me dê aperreios e vontades de andar na rua e te encontrar com cara fechada e de abuso, sozinho e
chateado com algo do mundo, ou feliz com as coisas mínimas que te vi fazerem sorrir, e aí, na rua mesmo, te dar o abraço que guardei, desde aquele dia, tu sabe qual. tudo começava com esse abraço e aí a gente convenceu a ele de que era hora de dormir, ainda que ele perguntasse "mas como o quê, mal acabei de despertar?" e nosso abraço realmente mal tinha aberto os olhos. mal sabia que existia. mas não, não levanta. não abraça. dorme, dorme. por favor, não quebra a mágica.

porque só estar perto é bom. e não precisa estar perto para que eu veja. perto para que eu sinta. já é perto quando é por dentro de meu olho. quase colado ao avesso de minha pálpebra, no escuro que mora no interior de tudo. então eu fecho os olhos e está lá: tu.

tu.

e é bom. é tranquilo. e às vezes me parece que nunca escreverei tão tranquilo assim. mas devo escrever sim, num outro dia, quem sabe. porque é tranquilo ao ponto de em nada ser extremo. é tranquilidade como a alegria do pouco. alegria de pés que se encontram no escuro, agindo discretos e temerosos de serem notados, mas já é o suficiente: porque ali estou eu, inteira, acredite, na ponta de meus dedos, te encontrando, secretamente, pelo esconderijo das pontas dos dedos de teus pés. o corpo fingindo, quase como se não fosse com ele. e então dá vontade de caminhar. chamar teus pés para andar com os meus. correr estradas ou pisar a areia molhada. vontade de te chamar pra vir comigo, e ver até onde a gente pode ir. correr até ter cãimbras e cair no chão. e então a gente pára no fim do mundo e olha para as coisas que ainda vão passar, as coisas enfileiradas, e escondidas no horizonte, esperando o seu dia de ser. e em troca de tanto andar eu te daria meu par de pés pra acompanhar os teus, e a gente acordaria aquele abraço que agora já dorme em nossas bocas.

26.4.05

guardo todos os meus medos numa caixa de osso. dentro de minha omoplata direita, caixinha redonda que dorme quieta. guardei ali para poder cochichar com ela quando bem entender. é só encostar a boca ansiosa no ombro nu e tudo ela ouve. e guarda. como um gravador bem escondido.

e tudo ela sabe, e tudo escuta. e só a ela conto de mim. porque nada há de mais impuro do que as coisas que conto. nada mais secreto e absurdo. todos os meus medos ali, filhotes da cachorra gorda e branca que é o medo de mim.

e fico muda frente ao mundo, porque aqui dentro tudo é polifonia. é barulho de carro na rua, no
meio do sono, com a ambulância que corta o ouvido; é grito e choro de gente que corre e
desespera; é o som das coisas quando acordam assustadas. são as falas de cada uma de mim, esta e aquela lá, eu mesma e a de ontem, a do outono perdido e a do março desbotado - e todas habitam apertadas o meu ombro pesado.

por isso, as costas doem. por isso, pendo para o lado. e durmo mal. e fico emburrada. e as solas
de meus sapatos do pé direito são mais comidas do que às do esquerdo. e eu sei que você olha e
não entende. e mesmo vendo meu ombro, nunca imaginaria. e eu pensaria duas vezes antes de lhe deixar beijá-lo. livrai-me deus, que ele confunda minha boca com a tua.
quando eu era pequena, ainda com tantos cachos, ainda tão loura, eu gostava de ver minha mãe passando batom em frente ao espelho de seu quarto. o batom deslizando e dando cor aos lábios de minha mãe, a boca aberta para o colorido chegar na textura de creme e brilho que encanta às pequenas meninas.

mas eu nunca olhava diretamente para o rosto dela, ou para a boca à espera. eu tinha que olhar para o espelho, de forma que eu não interferisse no processo de beleza por qual mamãe passava todos os dias. olhar para a boca, ficar cara-a-cara com ela, modificaria todo o ritual. mamãe olharia para mim, diria algo bom, me ofereceria o batom, e seus olhos fitariam os meus.

não era isso que eu queria. eu queria ver mamãe passando batom sem se preocupar com meu olhar. que olhasse fixamente para ela mesma e sua boca e se achasse linda, que ela não se distraísse com minha presença enquanto eu a observava. mamãe até poderia ficar menos bonita se seus olhos se desviassem de seu rosto iluminado à lá Payot para olhar para mim: uma menina que nem sequer penteava os cabelos.

então, eu acompanhava tudo pelo espelho. só o reflexo, só a imagem daquele momento em que, como num quadro, eu fazia parte como observadora atenta e discreta, sem interferir na mágica. talvez depois, com os lábios já pintados, mamãe exclamasse um: "ah, meu amor, você estava aí esse tempo todo?".

eu queria isso, mamãe - ser muito mais do que sou, ou possa ser. eu queria ser uma observadora atenta e discreta na vida. mas cresci, e pareço não caber nos momentos. é como se, ao invés daquele pontinho pequeno e com cabelos da cor de milho, tivesse um monstrengo gigante atrás de você no espelho, destoando atrás de tudo nessa vida. e por causa disso, meu desejo de ser vapor. desejo de estar lá, invisível, mas estar. ou talvez, ser apenas o relógio de parede, também refletido, mas nunca lembrado na imagem. blasé. blasé.

sendo assim, eu queria apenas ser. até a vida me chamar e falar: "vem, simone, está na hora de você pintar a sua boca".

14.4.05

minha constituição óssea já me entrega: há cálcio e sentir em todo o tecido de meu esqueleto. é isso que me sustenta e assusta.
quando lembro de mim,
lembro de meus pés grandes pisando o chão
e de como são magros os meus dedos

de como os caminhos se abrem e vão
a se desenrolar como novelos

quando lembro de mim
eu penso em saudade
e no meu colo vazio que grita

e em alguma verdade infinita que abarque
o porquê de toda minha vida

e calo e choro e sonho,
levantando um templo sem fim,
pois quando lembro de mim
não há nada mais tristonho,
bisonho, medonho,
parece que estive sempre só,
enfim.
pontinha de dor
salgada
lantelouja líquida

sua prata me cala
sua dor me irrita.

5.4.05

hoje acordei com o olho mais verde:
a alegria colore a íris.

27.3.05

sete de mielina de cincocifrasquatropesos:
nunca irei esquecer essa data.

foram cento e mil dois três desejos
comprimidos nesta lata.

e nada mais me devolve os beijos
que, agora enlatados, de saudades me matam.
o pé branco toca o tecido,
vai até o fim,
mergulhando e sua forma imprimindo

e o tecido empurra com terna força,
jogando novamente ao ar
o pé branco de louça

os dedos esticados para o céu tocar,
o corpo girando, os olhos atentos,
a alma presa querendo voar

mas é tão pouco o pulo e a altura tão rasa,
o pé branco do corpo que dança,
pula pra fingir que tem asa.

7.3.05

quietamansacalma, quietamansacalma, quietamansacalma. nossa senhora, a quem quero enganar? nada mais nervoso que quietamansacalma, quietamansacalma, quietamansacalma.

19.1.05

coleciono absurdos.

14.1.05

sopro:
o beijo que decidiu voar;
o assovio que silenciou pro meu bem dormir.