8.11.05

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ele continuou mudo. tinha ouvido tudo que ela tinha a dizer completamente calado. sem vontade sequer de mexer a boca. nenhuma palavra nervosa passou-lhe pelos lábios. nenhuma grande verdade quis contar à mulher. deixou que ela decretasse o fim de tudo e enumerasse o que via de caótico na relação deles. a única coisa que conseguiu pensar foi: "você complica demais essa vida, adelina".

e adelina estava furiosa. nenhuma reação, nenhum pedido de desculpas da parte dele. nenhum não é bem assim ou vá à merda. nada, nada. tudo que ele fez foi se levantar e ir em direção ao quarto. acender a luz, abrir o armário e pegar umas cinco camisas, enfiar dentro de uma sacola de plástico de supermercado e conferir perto do abajur o que havia na carteira. em seguida, só uma ida rápida ao banheiro pra pegar a escova de dentes e uma loção pós-barba que costumava chamar de acqua velva, mas que não era. isso, inclusive, era uma das coisas que irritava adelina profundamente.

ainda mudo, calçou um par de tênis velhos e se despediu dela com um aceno. bateu a porta e o silêncio foi tanto dentro da casa, durante os dois primeiros minutos, que adelina correu atrás dele. descendo as escadas correndo, do quinto andar ao térreo ia gritando: "epitácio! epitácio!". só conseguiu alcançá-lo mesmo já na calçada, quando ia em direção à ponte.

- epitácio!
- oi.
- você só vai levar isso mesmo de roupa?
- vou, adelina.
- ...
- algo mais?
- não.
- tchau então, certo?

tentou dar um beijo na testa suada da mulher, que recusou o carinho e saiu correndo de volta ao prédio, pensando: "sua besta".

3 comentários:

olivia zoragarria disse...

saudade...
de ler tuas coisas também.

Chico Lacerda disse...

adorei. simples simples.

Nine disse...

gostei muitíssimo. queria escrever assim, que nem tu. :*