4.5.17

lá fora estão as lutas. todas elas.
não é tão simples.
mas. aqui. dentro. pode ser.

entre eu e eu
não há intermediações -
custei a entender.

hoje sei que não há mensageiros. portadores.
mercúrios. exus. anjos.
meninos de recado.
não há sequer criptografia.

hoje me encontro na alegria certa
de ser em mim.

esse lugar irredutível
do engenho e da engenharia,
da inteireza do que sou.
e me sei pronta pro que se é,
e pronta para deixar de ser a qualquer instante,
sem se temer como obra inacabada.

a certeza da arquitetura íntima,
a clareza do caminho e dos desenhos,
a tranquilidade de enxergar com olhos bons para cada pedra triste ou alegre de passado:
o musgo da resistência é perfumado
e cresce verde como uma pequena floresta aveludada.

lá fora estão todas as lutas,
não as nego,
e a elas vou inteira.

mas então te vejo meter-se nesse canto,
a esconder-se,
e há temor nos teus olhos
e nas tuas mãos que tanto gosto.

não venho como cordeiro, porque não salvo nem a mim.
mas tudo me faz querer te tirar
deste canto em que às vezes te metes,
e me alegro em saber que, se quiseres,
me sinto bem e pronta para te levar pelas mãos, entre as batalhas todas,
a atravessar a rua,
e assim chegares até tua casa.

lá está ela tomada por tempos.
escura e vestida de pó.
que pedra opaca colocaste por onde teu sol ainda teima em entrar?

vai lá fora. capina. relembra tua planta e terreno.
é no agora que reerguemos.
é no agora que estamos.
é no agora que estão todas as lutas e nenhuma delas.

ainda há música em todo recanto,
e o que poderíamos pedir mais.

é tão simples.
aí. dentro. esse tesouro. que enxergo.







10.3.17

nesses dias eu ando pelas ruas
a espiar para dentro das casas
procurando as noites de ano novo que se passaram,
mas que ainda cintilam fantasmagoricamente em espectros e rastros.

vejo os vultos alegres vestindo branco,
borrões iluminados de gente contente com taças na mão.
vejo um riso que se rasgou na varanda repleta de samambaias,
um giro de uma dança amorosa e bêbada.
vejo abraços que faíscam.

sólidas e densas é que são tuas cores,
e teu corpo é jarro de tinta fresca e espessa.
és o pequeno senhor com quem firmei o compromisso de ajudar a ser de novo criança.
e cada vez que te aperto em meus braços, meu filho,
sinto como se fosse o reveillon de um ano extraordinário que durará minha vida inteira.

aconchego o teu tamanho e é sempre meia noite.
soa o primeiro artifício, tudo ensurdece e entra em suspensão.
inflam-se em mim todas as tuas perguntas -
e sei que enquanto as rumino, recompactuo com o divino.

tudo corporifica-se,
amadurece,
e te entrego a realidade que tenho
com o amor todo que eu posso ser.












futuros promissores que não se cumpriram.
uma coleção de pequenos carpometacarpos ressequidos.
cada humano carrega seu particular ossuário de pássaros.