23.5.05

e interrompemos nossa programação normal para a exibição da série: alfarrábios. estaremos de volta dentro de instantes. desculpem-nos o transtorno, estamos trabalhando para melhor servi-los. deus é fiel. teu olho gordo pra mim é cego. quem revela a fonte é água mineral. jarbas, molina vem aí.
caiu.
e se você pudesse se abaixar e observar de perto
a gota no chão,
veria as ondas
que o vento, deslizando, moldava.

e talvez se levantasse
olhando as estrelas como se fosse a primeira vez,
por não esperar nada mais além de um céu negro.

a vontade de correr engoliria seus pés
até chegar à garganta um grito,
uma canção guardada.

talvez corresse para a praia,
talvez quisesse mergulhar os pés na água com sal,
talvez deitasse na areia.

e então olharia para as estrelas
e se sentiria como uma gota,
uma gota que ainda não caiu,
que o vento leva e tremula,
veloz,
correndo o mundo,
sem nunca evaporar.
sim, guardei tua lágrima aqui.
não queria abrir minha mão para te mostrar
porque ela ainda molha os vincos de minha palma.

respeite-lhe a alma,
deixe-a secar em paz,
no escuro que meus dedos,
unidos e dobrados,
oferecem.

e minha mão, em prece,
quer sonhar que é teus olhos,
imaginando-se fonte e morada
da lágrima que sonha
que ainda não foi chorada.
minhas fotos de infância confirmam:
cresci amando a água,
e ainda a amo;
mas meu amor pelo vento cresceu
e alcançou meus poemas
em bolhas de sabão.

é que meu corpo ansioso o sente
o tempo inteiro a beijar meus dias,
soprando a poeira de meus livros
e circulando como alma pelo meu quarto.

e meus pequenos olhos sempre sentem
que o vento alisa meus cílios,
e minha pele acorda num arrepio,
quase um bocejo de pele,
quando o vento me acaricia.

o vento é uma criança
que se abraça com as roupas de meu varal,
dançando horas seguidas
sob a sombra do meu jambeiro,
e depois mete-se a correr ligeiro,
arrastando as gotinhas de água
perdidas no chão de pedras de meu quintal.

então chega o entardecer,
quando as cores do mundo trabalham em confundir-se,
deslizando pela garganta do céu,
pintando estrelas no horizonte.

e é quando, secretamente, o vento me procura -
e quando fala traz o cheiro dos lírios
que dependuram-se a querer espiar
para dentro da janela de onde durmo! -
e conversa as conversas de vento,
as brisas que tão bem entendo,
e diz-me que à noite não tem descanso
porque vento não sabe o que é cansaço -
e confessa que inveja os humanos,
porque quando dormem
sonham que voam,
e diz-me triste, o coitado:
"moça, às vezes queria voar sem ter que estar acordado".
decalca meu corpo com o teu:
desenho de tanto amor.
tudo que dorme às vezes levanta sonâmbulo.
às vezes me fala, e tapo os ouvidos, e fecho as portas.

às vezes me segue, se planta e em mim se enrola,
invade minhas salas, se cola às minhas solas.

e me engole a pequenos goles, suga-me pelos meus pés,
ou é tudo que dorme que em mim sobe?

e se de ponta-cabeça, num segundo, vira meu mundo,
é por que tudo que dorme desperta ou sou eu que agora durmo?
molhei tudo no mar.
tristeza abraçada com fio de cabelo
morreu afogada
no sal,
na água.

e lágrima que queria cair,
achando que ia salgar meu dia,
caiu como um doce,
no sal
da água fria.

e se a vida achou,
que sacudindo minhas horas, meu prumo iria tirar,
que meu chão iria fugir,
que minha alegria iria podar,
e se achou que causaria em mim
alguma espécie de pânico
é porque perdeu o tamanho da onda
que de mim gostou,
e sua força me emprestou
no sal
da água
do atlântico.

17.5.05

é como entrar em uma casa escura, as portas todas trancadas. só o mofo fala. mas não dê ouvidos, não... só me escuta. eu dou as coordenadas. o grande segredo eu escrevo na palma de minha mão e, desajeitadamente - porque em mim não há outro jeito - eu te mostro para ler. então, quando a distonia chegar, tudo há de se apagar. letra há de ser borrão - como as lembranças que quero esquecer, mas continuam, resistindo à borracha de minha força. então presta atenção, não esquece nunca:

pra cada porta
um olho mágico.

e ainda não são tempos de se falar de chaves.