26.4.05

guardo todos os meus medos numa caixa de osso. dentro de minha omoplata direita, caixinha redonda que dorme quieta. guardei ali para poder cochichar com ela quando bem entender. é só encostar a boca ansiosa no ombro nu e tudo ela ouve. e guarda. como um gravador bem escondido.

e tudo ela sabe, e tudo escuta. e só a ela conto de mim. porque nada há de mais impuro do que as coisas que conto. nada mais secreto e absurdo. todos os meus medos ali, filhotes da cachorra gorda e branca que é o medo de mim.

e fico muda frente ao mundo, porque aqui dentro tudo é polifonia. é barulho de carro na rua, no
meio do sono, com a ambulância que corta o ouvido; é grito e choro de gente que corre e
desespera; é o som das coisas quando acordam assustadas. são as falas de cada uma de mim, esta e aquela lá, eu mesma e a de ontem, a do outono perdido e a do março desbotado - e todas habitam apertadas o meu ombro pesado.

por isso, as costas doem. por isso, pendo para o lado. e durmo mal. e fico emburrada. e as solas
de meus sapatos do pé direito são mais comidas do que às do esquerdo. e eu sei que você olha e
não entende. e mesmo vendo meu ombro, nunca imaginaria. e eu pensaria duas vezes antes de lhe deixar beijá-lo. livrai-me deus, que ele confunda minha boca com a tua.

Um comentário:

bonina disse...

hãaaaaaaa!!! não acredito que essa caixa de comentário está prontinha. simone, mulher, tu és muito linda. teu texto também. beijos.